Como será o amanhã no ciberespaço?

Após cinco dias de vida online, praticamente off, é difícil colocar tudo em seu devido lugar, ou quase isso. O fato é que a demanda de trabalho durante essa semana foi, digamos, escrota. O melhor: continuará no mesmo ritmo (talvez mais acelerado) na próxima semana.

Acompanhei apoplético a aprovação, na moita, dos senadores do PLC 89/03. O susto foi menor após a intervenção senador Mercadante que efetuou algumas mudanças na projeto de lei. Entretanto, a concepção do pl é muito escrota. Se a idéia inicial era combater a pedofilia a proposta aprovada pelo Senado atinge as as “leis” fundadoras da cibercultura Principalmente os conceitos, por exemplo:

dispositivo de comunicação é entendi como: qualquer meio capaz de processar, armazenar, capturar ou transmitir dados utilizando-se de tecnologias magnéticas, óticas ou qualquer outra tecnologia;

rede de computadores: o conjunto de computadores, dispositivos de comunicação e sistemas informatizados, que obedecem a um conjunto de regras, parâmetros, códigos, formatos e outras informações agrupadas em protocolos, em nível topológico local, regional, nacional ou mundial através dos quais é possível trocar dados e informações;

Porém, uma boa notícia dentro deste processo: o ciberativismo da campanha contra a aprovação do PL 89/03 deu bons frutos e fez bastante barulho, pautando, inclusive o mainstream midiático e colocando em debate o ciberespaço, vigilância, leis e afins.

Raquel Recuero cita algumas das mudanças em seu blog

Vejam, por exemplo, a proposta para o artigo 285 na versão original:

Art. 285-A. Acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida

E a versão aprovada (com grifos dela):

Art. 285-A. Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso

Li muita coisa bacana. André Lemos, Sérgio Amadeu e Marcos Palácios são ótimas fontes. Mas, entre uma pausa e outro lá no trabalho fiquei com o pensamento de Bobbio em mente: a elaboração de um novo direito acabar por gerar uma manutenção ou revisão de um velho direito. “O reconhecimento do direito de não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos; o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar” (BOBBIO, 1992, p. 20).

E então? Com este projeto de lei, quais “direitos” serão revisados?

Teremos menos pedófilos ou menos compartilhamento de conteúdo? Mais vigilância ou mais segurança na rede?

Como será o amanhã no ciberespaço?

Abaixo-Assinado contra o Projeto do Senador Azeredo

É chegada a hora de decidir os rumos da internet no Brasil. O esquizofrênico Projeto de Lei do senador Azeredo, ao que tudo indica será votado no dia 9 de julho. Como já defendi aqui (e aqui)no blog  o PLC 89/03 busca nada mais do que a vigilância na rede, invade a privacidade e restringe a liberdade.

Como contraponto ao PLC 89/03, o Sérgio Amadeu e o André Lemos escreveram uma carta (abaixo) para angariar adesões de professores e pesquisadores. Quem estiver de acordo e quiser assiná-la basta mandar um ok com o nome e a instituição para samadeu@gmail.com.

Segue o abaixo-assinado:

EM DEFESA DA LIBERDADE E DO PROGRESSO DO CONHECIMENTO NA INTERNET BRASILEIRA

A Internet ampliou de forma inédita a comunicação humana, permitindo um avanço planetário na maneira de produzir, distribuir e consumir conhecimento, seja ele escrito, imagético ou sonoro. Construída colaborativamente, a rede é uma das maiores expressões da diversidade cultural e da criatividade social do século XX. Descentralizada, a Internet baseia-se na interatividade e na possibilidade de todos tornarem-se produtores e não apenas consumidores de informação, como impera ainda na era das mídias de massa. Na Internet, a liberdade de criação de conteúdos alimenta, e é alimentada, pela liberdade de criação de novos formatos midiáticos, de novos programas, de novas tecnologias, de novas redes sociais. A liberdade é a base da criação do conhecimento. E ela está na base do desenvolvimento e da sobrevivência da Internet.

A Internet é uma rede de redes, sempre em construção e coletiva. Ela é o palco de uma nova cultura humanista que coloca, pela primeira vez, a humanidade perante ela mesma ao oferecer oportunidades reais de comunicação entre os povos. E não falamos do futuro. Estamos falando do presente. Uma realidade com desigualdades regionais, mas planetária em seu crescimento. O uso dos computadores e das redes são hoje incontornáveis, oferecendo oportunidades de trabalho, de educação e de lazer a milhares de brasileiros. Vejam o impacto das redes sociais, dos software livres, do e-mail, da Web, dos fóruns de discussão, dos telefones celulares cada vez mais integrados à Internet. O que vemos na rede é, efetivamente, troca, colaboração, sociabilidade, produção de informação, ebulição cultural.

A Internet requalificou as práticas colaborativas, reunificou as artes e as ciências, superando uma divisão erguida no mundo mecânico da era industrial. A Internet representa, ainda que sempre em potência, a mais nova expressão da liberdade humana. E nós brasileiros sabemos muito bem disso. A Internet oferece uma oportunidade ímpar a países periféricos e emergentes na nova sociedade da informação. Mesmo com todas as desigualdades sociais, nós, brasileiros, somo usuários criativos e expressivos na rede. Basta ver os números (IBOPE/NetRatikng): somos mais de 22 milhões de usuários, em crescimento a cada mês; somos os usuários que mais ficam on-line no mundo: mais de 22h em média por mês. E notem que as categorias que mais crescem são, justamente, “Educação e Carreira”, ou seja, acesso à sites educacionais e profissionais. Devemos assim, estimular o uso e a democratização da Internet no Brasil.

Necessitamos fazer crescer a rede, e não travá-la. Precisamos dar acesso a todos os brasileiros e estimulá-los a produzir conhecimento, cultura, e com isso poder melhorar suas condições de existência. Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral.

O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância. Se, como diz o projeto de lei, é crime “obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida”, não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seria um crime por “cópia sem pedir autorização” na memória “viva” (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comum dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação on-line em um blog, também seria crime.

O projeto, se aprovado, colocaria a prática do “blogging” na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém! Se formos aplicar uma lei como essa as universidades, teríamos que considerar a ciência como uma atividade criminosa já que ela progride ao “transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado”, “sem pedir a autorização dos autores” (citamos, mas não pedimos autorização aos autores para citá-los). Se levarmos o projeto de lei a sério, devemos nos perguntar como poderíamos pensar, criar e difundir conhecimento sem sermos criminosos.

O conhecimento só se dá de forma coletiva e compartilhada. Todo conhecimento se produz coletivamente: estimulado pelos livros que lemos, pelas palestras que assistimos, pelas idéias que nos foram dadas por nossos professores e amigos… Como podemos criar algo que não tenha, de uma forma ou de outra, surgido ou sido transferido por algum “dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular”? Defendemos a liberdade, a inteligência e a troca livre e responsável. Não defendemos o plágio, a cópia indevida ou o roubo de obras. Defendemos a necessidade de garantir a liberdade de troca, o crescimento da criatividade e a expansão do conhecimento no Brasil. Experiências com Software Livres e Creative Commons já demonstraram que isso é possível. Devemos estimular a colaboração e enriquecimento cultural, não o plágio, o roubo e a cópia improdutiva e estagnante. E a Internet é um importante instrumento nesse sentido. Mas esse projeto coloca tudo no mesmo saco. Uso criativo, com respeito ao outro, passa, na Internet, a ser considerado crime.

Projetos como esses prestam um desserviço à sociedade e à cultura brasileiras, travam o desenvolvimento humano e colocam o país definitivamente para debaixo do tapete da história da sociedade da informação no século XXI. Por estas razões nós, abaixo assinados, pesquisadores e professores universitários apelamos aos congressistas brasileiros que rejeitem o projeto Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo ao projeto de Lei da Câmara 89/2003, e Projetos de Lei do Senado n. 137/2000, e n. 76/2000, pois atenta contra a liberdade, a criatividade, a privacidade e a disseminação de conhecimento na Internet brasileira.

André Lemos, Prof. Associado da Faculdade de Comunicação da UFBA, Pesquisador 1 do CNPq.

Sérgio Amadeu da Silveira, Prof. do Mestrado da Faculdade Cásper Líbero, ativista do software livre.

Azeredo quer que Mercosul unifique legislação para combater cyber crimes

Não bastasse a aprovação da  Comissão de Constituição e Justiça do Senado do projeto de lei (PLC) 89/03, o senador Eduardo Azeredo, em reunião do Parlamento do Mercosul, defendeu que os países membros unifiquem a legislação sobre os crimes na internet.

Precisamos criar diretrizes e instrumentos que possibilitem a troca de informações entre os países, já que a Internet não tem fronteira, afirmou o senador.

Caso a recomendação do Azeredo seja aceita pelos países, o debate sobre o ciberespaço deverá ocorrer no Mercosul. A Argentina aprovou seu pacote jurídico de combate ao cyber crime e caso o Legislativo brasileiro aprove o PLC 89/03 seremos referência no bloco. E este será o problema, uma vez que, a forma o ciberespaço foi abordado é totalmente esquizofrênica, busca nada mais do que a vigilância na rede, invade a privacidade e restringe a liberdade.

A campanha contra o PLC 89/03 segue em frente

Leia também o parecer do Eduardo Azeredo

Primeiro concurso de blogs sobre o Centro Histórico de Salvador

 

Uma experiência colaborativa hiper-interessante está em curso de Salvador. Trata-se do concurso de blogs “Redes-Cobrindo o Pelô” que objetiva (re) construir via blogs, o Pelourinho seja através de textos, imagens, aúdio e afins.

Diz o texto de apresentação do projeto:

O Programa Pelourinho Cultural apoia o primeiro concurso de blogs* sobre o Centro Histórico de Salvador em toda a sua abrangência.
O projeto visa, atrair cada vez mais visitantes, frequentadores, curiosos e multiplicadores através de uma pesquisa diferenciada, de olhares diversos sobre vários aspectos (sociais, culturais e econômicos) e atentos aos cuidados estéticos deste complexo arquitetônico, patrimônio da humanidade em toda sua gama de cores, formas e simbolismos.

Baseado no único mote: “Pelourinho: bom para morar, trabalhar, visitar e frequentar” os participantes deverão contar a história e estórias do Centro Histórico da capital baiana.

Por fim, creio que o resultado final, além de trazer para o centro da blogosfera o debate sobre o Pelourinhos (beleza, importância história e problemas atuais) formará uma importante banco de dados colaborativo acerca do Centro Histórico no ciberespaço. Será um ótimo material de análise para a pesquisa acadêmica que estou a desenvolver. Eureka!!!

Saiba como se inscrever, prêmios, regras e mais informações aqui.

Liberdade ou dignidade: Os Direitos Humanos da internet *

Yuri Almeida**

O debate acerca dos direitos humanos, historicamente, floresce com maior intensidade após revoluções sociais, transformações culturais, guerras e/ou conflitos armados. O seu objetivo central, em síntese, visa conciliar as contradições sociais e garantir, via leis e políticas públicas, a dignidade humana.

Bolzan de Morais (2004) defende que os direitos humanos são específicos de determinado momento histórico e nascem para suprir as necessidades sócio-culturais para a realização da cidadania.

“(…) os direitos humanos não nascem todos  de uma vez, eles são históricos e se formulam quando e como as circunstâncias sócio-históricos-políticas são propicias ou referem a inexorabilidade do reconhecimento de novos conteúdos – como também a necessidade que temos de dar-lhes efetividade prática. (…)” (BOLZAN, 2004, p. 121).

A rede mundial de computadores evidencia um novo desafio para os direitos humanos, uma vez que ciberespaço constitui-se como um novo espaço antropológico, pois “trata-se de um novo tipo de organização sociotécnica que facilita a mobilidade no e do conhecimento, as trocas de saberes, a construção coletiva do sentido, em que a identidade sofre uma expansão do eu baseada na diluição da corporeidade, ou seja, o que se perde em corpo se ganha em rapidez e capacidade de disseminar o eu no espaço-tempo”. (SILVA,2001, p. 152).

São nos espaços antropológicos que a significação sócio-cultural desenvolve-se. A novidade deste novo espaço diz respeito ao seu suporte: relações mediadas por computadores. Relações estas, que põem na berlinda concepções clássicas como cidadania, Estado, território e a sociabilidade.

“(…) um novo mundo virtual ou mundo mediatizado – é um suporte aos processos cognitivos, sociais e afetivos, os quais efetuam a transmutação da rede de tecnologia eletrônica e telecomunicações em espaço social povoado por seres que (re) constroem as suas identidades e os seus laços sociais nesse novo contexto comunicacional”. (SILVA, 2001, p. 153).

Cabe destacar que as relações inter-pessoais, desenvolvidas na internet, não são regidas por critérios de pertencimentos geográficos ou encontros presenciais. Cada vez mais, os browsers tornam-se não-lugares, onde se desenvolvem relações baseadas em topologias de interesses comuns, rompendo a clássica estrutura dos territórios como fundadores para a construção de identidades. Uma vez em crise, a construção da identidade afeta a própria constituição da cidadania, visto que a delimitação dos territórios e a segurança sobre este, ou seja, a soberania, era sinônimo de garantia de direitos aos indivíduos à determinado espaço concernido. Essa visão da cidadania é uma resultante das grandes revoluções liberais (com o lema Igualité, Fraternité e Liberté) do século XVIII, e caracterizada pela primazia do Estado-Nação como coletividade política que agrupa os indivíduos. Esta cidadania equivale à nacionalidade.

Atualmente, o argumento do “desencaixe dos sistemas sociais”, proposto por Giddens explica as transformações por que passa a cidadania. Conceitua ele, que o “desencaixe dos sistemas sociais” é o “deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo e espaço” (GIDDENS, 1991, p. 29)

Entretanto, a internet, em essência alicerça-se no princípio kantiano de liberdade, um direito irresistível e esse direito (de ser livre), conseqüentemente, garantiria a cidadania. A liberdade no ciberespaço materializa-se tanto no livre tráfego as diversas homepages como a garantia da livre expressão no espaço digital. Se a liberdade para a expressão assegura os direitos dos sujeitos na democracia moderna, na web este direito é potencializado, tendo em vista que, dentre as característica fundadoras da cibercultura, a liberação do pólo emissor é a mais louvável no leque de transformações sócio-culturais oriundas da teia mundial. A liberação do pólo de emissão – devido a novas ferramentas digitais, possibilitou que novas vozes pudessem romper com ditadura do discurso, capitaneada pelos mass media e dotou os indivíduos com uma roupagem argumentativa, tornando-os ativo no debate social, condição sine qua non para o exercício da democracia.

Mas, as constantes queixas e denúncia de atividades realizadas no ciberespaço contra os direitos humanos, principalmente aos danos à imagem e a maculação da honra relativizam a celebração do “liberou geral” na web.

Somente no primeiro semestre de 2006, a SaferNet Brasil registrou 55.842 denúncias. Destas, 52.410 se referem as páginas e comunidades no serviço Orkut, sendo que 44,34% estão relacionadas a pornografia infantil e pedofilia e 18,05% a apologia e incitação a crimes contra a vida. A SaferNet é uma organização não governamental sem fins lucrativos que combate crimes contra os direitos humanos na internet. Os relatórios apontam que o caráter liberal (no que tange a emissão de pensamentos) facilita a proliferação de mensagens ofensivas. Em uma sociedade onde a liberdade de expressão é o direito irresistível, do qual se referia Kant, “a defesa da liberdade de opinião em geral teria como corolário a obrigação de defesa da expressão de quaisquer opiniões independentemente do seu valor cultural e político e a prescindir da aceitabilidade ou não do seu conteúdo” (GOMES, 2002, p. 106). Outro aspecto levantado seria o caráter rizomático da rede, descentralizado, que dificulta o controle dessas mensagens, uma vez que um site censurado em determinado país encontra “abrigo” facilmente onde o crime outrora punido é mais aceitável ou as leis são mais flexíveis e/ou menos rígidas. Apesar de interessante  debate sobre a viabilidade ou não de se controlar a emissão de conteúdo na web, o presente artigo tem como objetivo discutir a relação entre os direitos humanos e o ciberespaço, em particular no debate em que o caráter burgues-liberal, atenta em alguns casos, contra a própria dignidade humana, razão existencial para os direitos humanos.

O problema é polêmico: a liberdade de expressão é mais valiosa do que a dignidade humana?

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