Globo lança “princípios editoriais” mas não cumpre o que escreve

O jornalismo brasileiro ganhou um novo capítulo no dia 7 de agosto, quando as Organizações Globo divulgaram um documento com os princípios editoriais que norteiam as redações do grupo, em TV, jornal, revista, rádio ou internet. O anúncio realizado no Jornal Nacional deixou os cidadãos intrigados com a causa que influenciou a elaboração e divulgação do documento, assinado pelo presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho, e dos vices João Roberto Marinho e José Roberto Marinho

Na versão oficial, a Globo sinaliza que a “era digital” e a “colaboração” causou “uma certa confusão entre o que é ou não jornalismo, quem é ou não jornalista, como se deve ou não proceder quando se tem em mente produzir informação de qualidade”. Nesse cenário, segundo a nota divulgada, as empresas precisam “expressar de maneira formal os princípios que seguem cotidianamente” para que assim, o público “verifique se a prática é condizente com a crença”, explica a empresa.

Porém a “era digital” e os processos colaborativos de produção de conteúdo já contabilizam mais de uma década, o que nos faz questionar: dez anos depois a Globo elabora um documento intitulado “Princípios Editoriais das Organizações Globo”? O fato gerador para o tal “princípio editorial” ainda é repleto de mistério e até o final do presente artigo não se encontrou resposta objetiva.

Uma pista para entender o que motivou a Globo divulgar o documento pode ter sido uma resposta ao mal-estar causada na redação global descrita no post do ex-jornalista global, Rodrigo Vianna, onde revela que a ordem da empresa é partir para cima de Celso Amorim, novo ministro da Defesa.

“O jornalista, com quem conversei há pouco por telefone, estava indignado: “é cada vez mais desanimador fazer jornalismo aqui”. Disse-me que a orientação é muito clara: os pauteiros devem buscar entrevistados – para o JN, Jornal da Globo e Bom dia Brasil – que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar “turbulência” no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada: o texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha”, diz trecho do post.

Para quem conhece o modos operandi do jornalismo televiso sabe que nenhuma empresa divulga “seus princípios” da noite para o dia, como um serviço ao público, como assinala o documento oficial. O documento casa perfeitamente com as denúncias publicadas no post do Rodrigo Vianna e revela que o clima na emissora, após a decisão de partir para cima do Celso Amorim, não é do melhores.

Na história da emissora tem sido natural a publicação de cartas de princípios em momento de crises. Parafraseando o ex-presidente Lula, “nunca na história desse país” a Rede Globo enfrenta tamanha crise, seja de audiência, de credibilidade, financeira, além da concorrência da Rede Record e demais veículos, que, diariamente conquista fiéis telespectadores e anunciantes.

Em 1984, ao se aproximar o fim da Ditadura Militar, Roberto Marinho escreveu um editorial no dia 7 de outubro intitulado “Julgamento da Revolução”. No texto, Marinho disse que o apoio da Rede Globo ao Golpe Militar foi acertado pois refletia a “vontade do povo brasileiro” e a “defesa das instituições democráticas”. O editorial elogia ainda os êxitos da Ditadura Militar e sinaliza que, durante o processo eleitoral, as conquistas do governo dos “milicos” deveriam ser preservadas.

Em 1989, após a manipulação do debate eleitoral que destacou os melhores momentos de Fernando Collor e os piores momentos de Lula, a Rede de Globo também ressaltou quais os princípios editoriais que norteavam a empresa:

“Nosso trabalho, como profissionais da televisão, foi e continuará sendo o que fez a televisão nesses dois debates. Manter aberto esse canal de duas mãos entre o eleito e os eleitores, para que melhor se exerça a democracia”.

No mesmo ano, a Globo assinou outro documento intitulado “Direito de Saber”, onde destaca:

“O povo brasileiro não está acostumado a ver desnudar-se a seus olhos a vida particular dos homens públicos. O povo brasileiro também não está acostumado à prática da Democracia. A prática da Democracia recomenda que o povo saiba tudo o que for possível saber sobre seus homens públicos, para poder julgar melhor na hora de elegê-los”

O Direito de Saber, na verdade, serviu como justificativa para o episódio onde a Globo mostrou a ex-namorada de Lula no Jornal Nacional acusando-o de pedir para fazer um abordo e de ter feito declarações racistas. Curiosamente, Miriam Cordeiro (a ex-namorada), depois de aparecer no JN figurou na propaganda de Collor. Posteriormente descobriu-se também que Miriam recebeu dinheiro para realizar as declarações.

Princípio editorial da Globo não conduz com prática da emissora

No mesmo dia em que anunciou os “Princípios Editoriais das Organizações Globo”, o Jornal Nacional apresentou uma matéria onde noticia (video abaixo): “está foragida a merendeira que pôs (perceba, uma acusação. O correto seria “acusada”) de colocar veneno de rato no lanche de crianças em uma escola pública de Porto Alegre”.

Valendo-se da opinião apenas da Polícia, o JN informa que a merendeira assumiu o crime, mas em nenhum momento ouviu, por exemplo, o advogado da vítima, que oito horas antes negava a versão policial nos principais veículos da região. Uma simples pesquisa no Google seria suficiente para descobrir outro lado do fato.

Curiosamente, no tal documento de “princípios editoriais” está escrito a seguinte orientação aos funcionários da emissora:

“Na apuração, edição e publicação de uma reportagem, seja ela factual ou analítica, os diversos ângulos que cercam os acontecimentos que ela busca retratar ou analisar devem ser abordados. O contraditório deve ser sempre acolhido, o que implica dizer que todos os diretamente envolvidos no assunto têm direito à sua versão sobre os fatos, à expressão de seus pontos de vista ou a dar as explicações que considerar convenientes”;

Em outro trecho do documento consta:

Correção é aquilo que dá credibilidade ao trabalho jornalístico: nada mais danoso para a reputação de um veículo do que uma reportagem errada ou uma análise feita a partir de dados equivocados. O compromisso com o acerto deve ser, portanto, inabalável em todos os veículos das Organizações Globo.

Correção. Esta é a palavra que falta a prática diária e histórica da Rede Globo, pois são quase nove décadas em defesa das classes dominantes, da Ditadura Militar, em jornalismo servil aos interesses econômicos e norteados pelo preconceito e discriminação contra as classes dominadas. A velha palavra de ordem dos movimentos sociais “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo”, nunca fez mais sentido.

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